Por volta das 8:25 da manhã desta quarta-feira [30 de janeiro de 2008], pelo horário da Costa Leste dos Estados Unidos, a tela de boas-vindas do portal AOL na Internet justapôs duas matérias da Associated Press/AP: "Ele (McCain) Lidera a Corrida Republicana à Presidência: O que Rudy Giuliani Fará Agora?" e "Haitianos Desesperados Comem Lama: 'Um Dia Terei Comida Suficiente.'"
("Nos bairros pobres do Haiti, pessoas famintas conferem novo sentido à expressão 'na lama'. Com o aumento dos preços dos alimentos, pessoas desesperadas estão comendo biscoitos feitos de lama para protelar suas dores estomacais provocadas pela fome...;” Jonathan M. Katz, AP, 29 de Janeiro de 2008, citando a galeria de fotos de Ariana Cubillos/AP.)
A primeira atitude de Rudy Giuliani após perder as primárias da Flórida foi fazer um discurso seguindo a linha "o melhor caminho para alcançar a paz é através da força esmagadora."
Isso poderia ter sido dito pelos mandatários da França colonial, uma vez que tenham arrebatado o ouro das montanhas do Haiti, ou por Thomas Jefferson que, por sua vez, advertiu para que a revolta escrava no Haiti não fosse tolerada. Ou, ainda, pelos governantes dos Estados Unidos das décadas de 1950 a 1980, uma vez que tenham endossado a ditadura dos Duvaliers no Haiti, ou os dos anos 1990, que apoiaram o esquadrão da morte da FRAPH (Frente para o Avanço e o Progresso do Haiti) e impuseram ao País o plano do Banco Mundial e do FMI que – uma década antes da publicação desta quarta-feira, referente à adaptação do consumo da lama aos dias de hoje – passou então a tornar os Haitianos mais famintos.
(Com referência à FRAPH e ao Banco Mundial/FMI, veja, respectivamente, meus artigos [em inglês]: "Our Man in FRAPH: Behind Haiti's Paramilitaries," October 24, 1994, "He's Our S.O.B.," October 31, 1994, e "Haiti Under the Gun," January 8 / 15, 1996, todos na Revista “The Nation” [US], e "Aristide Banks on Austerity," Multinational Monitor, July/August, 1994).
Teoricamente, pode até ser verdade que a força esmagadora consiga obter a paz, mas apenas se controlada por uma figura como, digamos assim, Deus, e se a Bíblia, o Torá e o Alcorão, todos eles aceitarem o fato de que até mesmo essa conjuntura possa provocar massacres.
É possível que os fundadores dos Estados Unidos não tenham seguido os seus próprios princípios fundamentais – poucos o fazem –, mas eles foram cinicamente criteriosos em relação ao povo em geral, de forma que os homens ricos, alguns deles proprietários de escravos (como Jefferson), procuraram conter "o populacho", restringindo também, estrutural e constitucionalmente, os futuros governantes a pessoas como eles.
Em seus princípios fundamentais, pelo menos, os fundadores dos Estados Unidos temeram a força esmagadora nas mãos de seres humanos.
Hoje, porém, esse princípio fundamental foi radicalmente modificado.
A afirmação de Giuliani não foi algo peculiar. McCain diz coisas assim o tempo todo e foi a gestão Clinton, na qual Hillary trabalhou, que produziu o plano do Pentágono de 20 anos de "Dominação de Amplo Espectro", isto é, a capacidade "para derrotar qualquer adversário e controlar qualquer situação", em qualquer lugar, a qualquer hora (Jim Garamore, Assessoria de Imprensa das Forças Americanas [Departamento de Defesa dos Estados Unidos], "Joint Vision 2020 Emphasizes Full-spectrum Dominance,"2 de Junho de 2000).
Mas se você dominar o mundo totalmente, quem irá detê-lo se você cometer assassinatos, ou se levar a fome aos povos pelo modo como você desloca e concentra as riquezas escassas?
Esses são os problemas associados aos assassinatos e às mortes evitáveis que os americanos são livres para abordar na política – mas normalmente não o fazem. Existe, porém, ainda outro problema diretamente ligado ao poder que pode eventualmente precisar ser discutido.
O problema é que embora militarmente, em alguns sentidos, os EUA ainda representem uma força esmagadora, economicamente tornam-se cada vez mais apenas um centro de poder entre vários.
Em seu discurso ao Congresso (O Estado da União), o Presidente Bush disse que “asseguraria que os Estados Unidos se mantivessem como a nação mais poderosa da Terra”.
Isso foi possível após a Segunda Guerra Mundial, com o restante do mundo rico devastado. Mas agora que os nós do capitalismo se dispersaram mundo afora, isso já não é mais possível.
O crescimento acelerado acontecerá inevitavelmente em outro lugar e, muito em breve, diversas outras potências econômicas deverão igualar-se aos EUA como centros de capital, comércio e até mesmo de inovação – e, neste último caso, talvez ainda mais cedo do que se possa imaginar se os Estados Unidos mantiverem sua histeria anti-imigração.
E agora? Os governantes eleitos dos Estados Unidos sempre utilizam termos nacionalistas e de supremacia – embora todos eles, pessoal e profissionalmente, invistam globalmente. Se eles realmente querem que os EUA obtenham/mantenham uma dominação esmagadora, a sua vantagem comparativa precisará estar na pólvora.
Uma resposta equilibrada, por parte dos não-governantes seria: não me interessa a obtenção ou manutenção de qualquer dominação, uma vez que isso esteja desacreditado como meio para alcançar a paz. E também não funcionou como meio para acabar com a fome.
É mais razoável, portanto, buscar outros meios, meios que nos conduzam a objetivos de fato produtivos nesse sentido, como o fim do apoio a esquadrões da morte, e com o deslocamento de recursos suficientes de modo que as pessoas possam permanecer saudáveis comendo comida de verdade em vez de lama.
By Allan Nairn, News and Comment, http://www.newsc.blogspot.com
Tradução: Joice Elias Costa
Email Me
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Estado da União: Direitos Sociais, Justiça, e a Guerra de Todos Contra Todos
O presidente Bush acaba de dizer que "faremos justiça aos nossos inimigos" (discurso anual de George Bush sobre o “Estado da União” ao Congresso americano, em 28 de Janeiro de 2008).
Logo, isso significa que dependemos da justiça de nossos inimigos também?
Esse é o pensamento de pessoas como Bin Laden. E Bush, ao que parece, compartilha dessa sua mentalidade.
Um líder escolhe a sua definição de justiça, vai lá e mata – ou faz que o quer que seja – ao culpado.
Essa é a maneira como as coisas teoricamente funcionam à revelia, na ausência de uma sociedade forte, na condição de algo como o que Thomas Hobbes chamou “a guerra de todos contra todos”.
Mas se não tivéssemos uma sociedade forte, Bush não teria um orçamento de 2,8 trilhões de dólares (2007). Ele não teria guarda-costas do Serviço Secreto e, conseqüentemente, precisaria usar um coldre ao discursar em plena sede da ONU, como Arafat – que tinha um orçamento bem menor – certa vez fez.
Sem uma sociedade forte não teríamos nenhuma lei de herança eficaz e, portanto, Bush estaria lá fora na briga por trabalho e comida como todo mundo faz.
Em outras palavras, não se pode ter as duas coisas.
Você não pode gozar de enormes direitos sociais e, ao mesmo tempo, ignorar as leis e tabus mais básicos da sociedade: aqueles que dizem respeito a matar outras pessoas, aqueles que dizem que a sociedade é que define a justiça nessas questões – e não líderes isolados, ou mesmo instituições –, e que a define pela lei e pelo consenso (isto é, leis de homicídio), elaborados laboriosamente ao longo do tempo.
Logo, se Bush quiser sair e matar alguém com uma espada, como poderia fazer em um mundo hobbesiano, isso só depende dele.
Mas ele não deverá se surpreender – ou reclamar – quando for detido por aqueles que fazem cumprir a lei na sociedade.
By Allan Nairn, News and Comment, http://www.newsc.blogspot.com
Traducao: Joice Elias Costa
Email Me
Logo, isso significa que dependemos da justiça de nossos inimigos também?
Esse é o pensamento de pessoas como Bin Laden. E Bush, ao que parece, compartilha dessa sua mentalidade.
Um líder escolhe a sua definição de justiça, vai lá e mata – ou faz que o quer que seja – ao culpado.
Essa é a maneira como as coisas teoricamente funcionam à revelia, na ausência de uma sociedade forte, na condição de algo como o que Thomas Hobbes chamou “a guerra de todos contra todos”.
Mas se não tivéssemos uma sociedade forte, Bush não teria um orçamento de 2,8 trilhões de dólares (2007). Ele não teria guarda-costas do Serviço Secreto e, conseqüentemente, precisaria usar um coldre ao discursar em plena sede da ONU, como Arafat – que tinha um orçamento bem menor – certa vez fez.
Sem uma sociedade forte não teríamos nenhuma lei de herança eficaz e, portanto, Bush estaria lá fora na briga por trabalho e comida como todo mundo faz.
Em outras palavras, não se pode ter as duas coisas.
Você não pode gozar de enormes direitos sociais e, ao mesmo tempo, ignorar as leis e tabus mais básicos da sociedade: aqueles que dizem respeito a matar outras pessoas, aqueles que dizem que a sociedade é que define a justiça nessas questões – e não líderes isolados, ou mesmo instituições –, e que a define pela lei e pelo consenso (isto é, leis de homicídio), elaborados laboriosamente ao longo do tempo.
Logo, se Bush quiser sair e matar alguém com uma espada, como poderia fazer em um mundo hobbesiano, isso só depende dele.
Mas ele não deverá se surpreender – ou reclamar – quando for detido por aqueles que fazem cumprir a lei na sociedade.
By Allan Nairn, News and Comment, http://www.newsc.blogspot.com
Traducao: Joice Elias Costa
Email Me
Assinar:
Postagens (Atom)